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Ícaro Conceição

Se os primeiros meses foram de aprendizado e adaptação, os anos seguintes foram de consolidação e evolução. Trabalhar na cozinha na Austrália significava mais do que apenas preparar pratos – significava lidar com a pressão de manter padrões elevados, aprender a trabalhar sob condições extremas e se provar todos os dias.

Sydney é uma cidade cosmopolita, onde 70% da população é composta por imigrantes. Desses, uma enorme parcela é de origem asiática, o que impacta diretamente a gastronomia. Minha visão sobre comida asiática se transformou completamente. Antes, para mim, era apenas China e Japão. Mas viver na Austrália me fez enxergar um universo completamente novo: Tailândia, Malásia, Vietnã, Coreia, Mongólia. Cada cultura trazia seus próprios temperos, técnicas e tradições, e eu estava fascinado por tudo isso.

Conquistar espaço na cozinha foi uma jornada cheia de altos e baixos. Os primeiros meses em um restaurante de alto nível foram uma provação diária. Os chefs eram exigentes, os clientes demandavam perfeição, e eu ainda precisava provar que tinha o que era necessário. O primeiro serviço de jantar foi um caos interno – mãos trêmulas, suor frio, a sensação de que cada prato era um teste decisivo. Mas conforme os dias passavam, os elogios começaram a surgir, a confiança aumentava, e a cozinha deixava de ser um campo de batalha para se tornar minha zona de conforto.

Financeiramente, a mudança para a Austrália foi um divisor de águas. Trabalhar como cozinheiro me proporcionou uma qualidade de vida que dificilmente teria no Brasil. Ganhar em dólar significava poder jantar em restaurantes Michelin duas ou três vezes por ano sem comprometer o orçamento, viajar constantemente e ainda guardar dinheiro. O dia que comprei meu primeiro carro foi um marco. Quatro mil dólares por um modelo simples, mas que representava muito mais do que apenas um meio de transporte: era a prova concreta do meu progresso.

Mas nem tudo era sobre conquistas materiais. Morar fora é um processo solitário. Mesmo cercado de colegas, clientes e chefs, havia noites em que a saudade batia forte. Sentia falta do português falado sem esforço, da comida brasileira, dos domingos em família. Cada ligação para casa era um misto de alegria e melancolia. Mas eu sabia que aquele esforço fazia parte de um plano maior.

Aos poucos, Sydney deixou de ser um lugar estranho para se tornar minha casa. Cada restaurante que trabalhei, cada prato que servi, cada técnica que aprendi fez parte de uma construção que me levou a novas oportunidades e novos desafios. Mas mesmo com a estabilidade conquistada, eu sabia que aquele não era o ponto final da minha trajetória. Cada experiência vivida ali serviu como base para o que viria a seguir: a vontade de compartilhar esse conhecimento, de ensinar e de explorar ainda mais o mundo da gastronomia.

Ícaro Conceição
Ícaro Conceição