Skip to main content
Ícaro Conceição

Após os primeiros meses de adaptação, o ritmo começou a mudar. Ainda era difícil, mas algo dentro de mim se ajustava. A cada prato feito, a cada pedido entregue, eu sentia que estava me reconstruindo. Não apenas como cozinheiro, mas como ser humano.

Minha rotina era intensa. Estudava inglês com afinco porque sabia que o idioma era a chave para desbloquear tudo: promoções, novos trabalhos, melhores salários. Eu queria mais. Queria sair do ciclo limitado das 20 horas semanais, da incerteza de trabalhar por fora, das conversas rápidas com clientes que eu não entendia completamente.

Cada pequeno progresso na língua era uma celebração. A primeira vez que consegui responder ao gerente sem travar. A primeira piada que entendi de verdade durante o serviço. A primeira ligação para um fornecedor que deu certo. Esses momentos me mostravam que o esforço estava valendo a pena.

Mas também havia frustrações. Teve um dia em que queimei um molho por distração e levei uma bronca na frente de todos. Saí da cozinha e chorei no banheiro. Me senti impotente, deslocado. Pensei em desistir. Pensei em voltar para o Brasil. Mas no dia seguinte, voltei. Limpando a bancada, respirando fundo, cabeça erguida. Era isso ou nada. A Austrália podia ser implacável, mas também era justa.

Com o tempo, fui conhecendo outras cozinhas. Cada uma com sua personalidade, sua pressão, seus ritmos. Fui ganhando respeito, espaço, confiança. Aprendi a ouvir, a liderar, a ensinar também. A comida se tornou minha linguagem universal. Mesmo quando meu inglês falhava, meu prato falava por mim.

E foi nessa jornada que percebi: não era só sobre cozinhar. Era sobre persistir. Sobre acordar e tentar de novo. Sobre aceitar que o medo faz parte, mas que ele nunca pode te paralisar. Aos poucos, fui construindo uma nova versão de mim mesmo. Uma versão mais forte, mais confiante, mais resiliente.

A Austrália não me deu nada de graça. Mas me deu a chance. E eu agarrei com tudo. Esse país, com sua diversidade, seus desafios e suas oportunidades, me transformou. E essa transformação ainda não terminou.

No intercâmbio, primeiro emprego e o valor real das conexões
No intercâmbio, primeiro emprego e o valor real das conexões