Skip to main content
Ícaro Conceição

Como cozinheiro, eu nunca imaginei que fosse tão fácil arranjar um trabalho fora do país. Sempre pensei que o idioma seria a maior barreira, um obstáculo difícil de superar. Mas logo descobri que o mundo inteiro precisa de cozinheiros, e que, mesmo com um inglês limitado, eu poderia encontrar meu lugar.

Nos primeiros dias em Sydney, criei o hábito de vasculhar os sites mais usados por quem procura emprego na Austrália, como o Seek Jobs e, surpreendentemente, o Facebook, que é muito mais ativo para esse tipo de contato do que no Brasil. Criei perfis, preparei currículos, mandei mensagens. E nada. O tempo passava e a ansiedade crescia. Cada dia sem resposta parecia pesar mais. Mas a virada veio de onde eu menos esperava.

Eu havia alugado um quarto na casa de outro brasileiro. Na volta de uma caminhada, ele me deu uma carona. No meio da conversa, ele perguntou o que eu fazia. Disse que era cozinheiro. “Meu amigo tá precisando de um cozinheiro. Quer fazer um teste amanhã?” Aquilo soou como uma dádiva, mas também como um teste do destino. Meu coração disparou. Eu queria muito aquela chance, mas e se eu não estivesse pronto? E se meu inglês me traísse? Mesmo assim, aceitei. Não podia deixar o medo guiar minhas decisões.

No dia seguinte, lá estava eu. Na Austrália, os testes práticos são pagos e duram entre duas a quatro horas. Se alguém te pedir para trabalhar o dia todo de graça, recuse. Esse foi meu primeiro contato real com uma cozinha australiana. Me deparei com outros brasileiros no time, mas o que mais me marcou foi que todos falavam comigo apenas em inglês. Era uma forma de me ajudar a me adaptar mais rápido. A entrevista foi simples: eles precisavam de um cozinheiro, e eu cozinhava. Mas a insegurança ainda estava ali, me assombrando em cada palavra mal pronunciada.

O chef foi compreensivo, me explicou ingredientes, métodos, o funcionamento da cozinha. Foi um acolhimento raro. Porém, conversar com os donos e gerentes, todos estrangeiros, era outra história. Gaguejava, suava, tremia. E mesmo assim, segui em frente. Trabalhava das 8h às 16h, e às 17h eu já estava na escola, estudando inglês. Depois de um tempo, troquei os turnos e comecei a estudar de manhã e trabalhar à noite. Segunda e terça o restaurante fechava – dias que eu usava para descansar, estudar mais ou fazer bicos para sobreviver.

Como estudante na Austrália, só podia trabalhar 20 horas por semana. Era difícil. O salário mal cobria as despesas. Lembro do meu primeiro pagamento: 700 dólares. Olhei aquele valor e pensei: “Tô rico!”. Mas logo veio a realidade. O aluguel consumia 300, a comida mais uns 100, e o restante evaporava em pequenas despesas. Ainda assim, aquele salário significava liberdade, dignidade, e principalmente, esperança.

Mesmo com limitações, eu estava ali, vivendo, aprendendo e resistindo. Cada dia era uma vitória. E mesmo sem saber o que viria depois, uma certeza crescia dentro de mim: eu tinha feito a escolha certa.

No intercâmbio, primeiro emprego e o valor real das conexões
No intercâmbio, primeiro emprego e o valor real das conexões